- (chegando) Opa, perdi alguma coisa?

- Também não vamos exagerar, ele não era assim, tanta coisa...
- Quando alguém soltar a frase: "Pelo meno ele está em paz, né", responder: "Não, na verdade tá morto mesmo."
- Pelo menos a Senhora fica com a casa agora, né dona Sandra?
- Achei uma falta de consideração a amante dele não ter aparecido".
- Nessas horas queria ser americano. Lá os velórios tem salgadinho.
- Minhas condolências. Na segunda eu ligo pra senhora pra gente acertar aquela grana que ele me devia, beleza?
- Sempre te achei uma gata, mas só agora criei coragem de dizer...
- Você assiste "Six Feet Under"?
- Você assistiu "Ghost"?
- Você assistiu o último da Rita Cadillac?
- Pior mesmo foi o Michael Jackson e o Patrick Swayze, né rapaz?
- Quer comprar uma rifa?
- Quem diria... ontem mesmo ele estava aí vivo... Tava bem caquético, mas vivo.

Existe hora e lugar pra tudo. Essas frases abaixo estão fora dos dois.

- Pernil de novo, Dona Sônia?
- Eu não sento na mesa do lado desse vagabundo.
- Você acha que as crianças vão acreditar nessa barriga de travesseiro e nessa barba falsa, Robertinhô??
- ..e meu amigo secreto é um puta pé-no-saco...
- CIDRA?? Quem comprou CIDRA??
- Olha só, CUECA tá sempre em promoção, né Dona Sandra?
- Ó, Natal é época de perdão, mas aquela grana que eu te emprestei fica fora, OK?
- ...soca na cara! Igual eu ensinei! Seu pai tá no carro.
- Que tal todos assistirmos SEXTA FEIRA 13?
- Eu continuo na mesma empresa, mas não lembro o nome da senhora nem por um cacete.
- Ah! A Senhora que é mãe daquele boiolinha?
- Feliz Natal, gente, mas ano que vem vou preferir passar sozinho mesmo, viu?

Em épocas como as que estamos vivendo, eu agradeço por meu filho ser ainda pequeno o bastante pra que eu possa protegê-lo de determinadas coisas que andam acontecendo. Se ele tivesse uns 5 anos a mais, eu seria obrigado a responder perguntas às quais eu não faço idéia da resposta.

É bem dificil tentar explicar o que é essa calhordice que tomou conta de nós. O que nos espanta? O que é grave? O que causa indignação?
O que é preciso acontecer para que as pessoas acordem?

Sendo bem prático. Vamos pegar última crise no senado como exemplo. Todo mundo tem certeza que o bigodudo mentiu, achacou, ameaçou, cercou-se de todos os piores elementos pra defendê-lo, e o que fez o Presidente da Republica? Juntou-se a eles. E o que aconteceu?

Rigorosamente nada.

Se meu filho me perguntasse:"Pai, roubar é errado?", o que eu deveria responder?

A candidata a presidir o país no próximo mandato, mente deslavadamente, é mal educada, tem uma ficha pra lá de estranha. E é a única escolha do partido.

"Pai, mentir é errado?"

O Governo e vários juízes do STF estão fazendo das tripas coração pra livrar da cadeia um assassino confesso. Dobram e desdobram a lei para tentar fazer um origami que nos faça sentir que o cara é um matador bacana, um assassino com classe.

"E aí Pai, matar é errado?"

Me digam, o que eu respondo, se ele me perguntar? Que depende? Que alguns podem? Que é melhor não pensar nisso, ficar de lado? Qual a resposta mais adequada, me ajudem?

E como não compreender a confusão pela qual passa um jovem hoje em dia. Vale a pena ser honesto? Melhor gastar dinheiro em livro, ou ficando bem gostosa (ou fortão), o que te abre mais portas hoje em dia?

Por enquanto, ainda consigo preservar a inocência do meu filho. Não se trata de aliená-lo. É um tempo que eu ainda tenho pra ver se os valores que eu passo grudem na mente dele, antes que o mundo venha, e estrague tudo. Uma esperança para quem sabe, quando ele me fizer essas perguntas acima, eu possa dar as respostas que eu sei que estão certas, sem parecer que estou mentindo pra ele.

I don't need no one to tell me about heaven
I look at my daughter, and I believe.
I don't need no proof when it comes to God and truth
I can see the sunset and I perceive
Heaven- Ed Kowalczyk

Se é pra me rotularem, melhor dar o nome mais correto: sou cético. Não ateu.
Ateu não acredita, e ponto. Eu acredito. Mas duvido. Parece inconsistente? Não é.

A dúvida tem uma imagem muito negativa em nossa sociedade. Queremos pessoas que acreditem. Que creiam, cegamente. Que encontrem. Eu podia fingir, mas não sou assim.

É preciso interpretar direito. Minha posição não é o: "Duvido!", ríspido e intolerante, que desafia todos a provarem seus argumentos. Isso é soberba, não dúvida. Na minha visão, a dúvida é uma prova de humildade. É reconhecer que sou pequeno e falho, e não tenho a pretensão de achar que sei quem é Deus. Não entendo. Busco.

Você já encontrou seu Deus? Ótimo. Se sua crença preenche o que falta em sua vida, acho mesmo que vc deve louvá-lo, acalentá-lo, como parte de você. Mas por favor, não tente vender suas crenças para mim. Você se sente bem, porque chegou, porque encontrou. Mas eu valorizo o caminho. Eu estou andando, e não tenho muito interesse na linha de chegada. A viagem tem sido boa. Respeite minha jornada.

Eu andei por algumas religiões. Ouvi gente mais sábia e menos sábia. Acolhi coisas de cada uma delas. Já tive minha fé posta a prova algumas vezes na minha vida. Mas sempre me recusei a ser "mais ou menos católico" ou "quase espírita". Se não for pra abraçar uma religião de corpo e alma, prefiro nem começar. E acho que essa religião completa não existe, então prefiro continuar meu caminho.

Eu vou dar ouvidos a quem quer que seja nessa estrada. Vou levar em conta cada palavra que chegar a mim. Mas por favor, não me teste me convencer que você está num grau mais elevado que eu em seu crescimento espiritual, porque você simplesmente não sabe disso. Ninguém sabe.

Eu não preciso de igreja pra fazer minhas orações. O mundo inteiro é um templo. Não preciso de uma representação visual de um Deus. Não preciso dar um nome a ele. Ele existe, pra mim basta.

Quando meus dias por aqui acabarem, talvez me encontre com Ele, e Ele me pergunte:"Você demorou esse tempo todo pra me encontrar?". E eu vou poder responder, com toda felicidade: 'Ah Senhor, mas como eu procurei..."

Sarney não conhecia Rodrigo (o Cruz, não eu). Não é dono do Maranhão. Não indicou parentes. Não sabia o que era ato secreto. A empreiteira não lhe comprou um apartamento. Não tem influência na fundação que leva seu nome. Pallocci não quebrou o sigilo do caseiro. Não esteve naquela casa. O funcionários da receita saíram normalmente, sem fato relevante. É normal o sistema de segurança do Planalto não lembrar de nada. Mercadante ficou porque Lula lhe escreveu uma carta linda, tocante. Não houve acordão. Dilma não viu Lina. Nunca tinha prestado atenção em seu próprio curriculo. O dono do castelo não fez nada de errado. Paulo Duque analisou em profundidade, caso a caso, e inocentou Sarney porque não havia evidências.

Esse é o Brasil de hoje.

E você, que dá ao Lula seus mais de 70% de aprovação, acredita em tudo acima? Mesmo?

Parabéns.

Publicado originalmente em 2001, no site www.paudabarraca.com.br

Hoje eu venho aqui para falar de um assunto que aflige a todos. Apesar da aparente futilidade à primeira vista, todos sofrem com este problema. Aquele que nunca sentiu os cabelos do braço se arrepiarem ao olhar para uma barata, que taxe de fútil este texto. E dizendo isso, acabei por adiantar qual é na verdade o nosso assunto: a Barata.

Barata deveria se escrever assim, com letra maiúscula. Ela já adquiriu esse status. A meu ver, ela não poderia nem mesmo ser incluída na classe dos insetos. Primeiro que os insetos andaram reclamando. Depois, como juntar, na mesma classe, uma singela borboleta, e uma repugnante cascuda? A barata é única. Suas particularidades mostram isso. É uma antítese viva. Veja os fatos. Ela morre com inseticida, mas não com uma bomba atômica. Existem caras muito machos, que se embrenham na selva , abrem trincheiras, socam jacarés, e o diabo; e muitos deles farão uma cara de nojo para pisar em uma barata.

Aliás, as mulheres que me perdoem, mas quem sofre mais com esse "inseto"(?) são os homens. Eles têm a obrigação de não ter nojo. Quando, passeando por uma rua qualquer, um casal encontra a danada , e a mulher faz o já habitual escândalo: - Ai,ai,ai uma barata!!!!!!!Socorro!!!!

Nesse momento, baixa um Exu, ou qualquer coisa parecida e o homem põe-se a correr atrás do bicho até pisá-lo e ouvir, disfarçando o nojo, o característico "CREC!!", quando esmaga a coisa. Mas tenho certeza que a grande maioria preferiria reagir do mesmo modo que a Penélope Charmosa.  

A barata é um bicho apolítico. Ela também não tem preconceitos.Vai aparecer em qualquer casa, seja ela limpa ou suja, rica ou pobre do PT ou do PMDB. Tanto faz.

Um dia desses, enquanto eu fazia meu tradicional passeio noturno pelos canais de televisão me bateu uma vontade - também tradicional - de tomar um café. Logicamente, fui até a cozinha. Note que quando se anda o dia inteiro pra lá e pra cá, a coisa que mais se aprecia ao se chegar em casa é arrancar os sapatos e andar descalço, sentindo o carpete macio sob seus pés. Baratas não respeitam esse tipo de prazer. Foi só eu entrar na cozinha para divisar do outro lado do cômodo próxima à geladeira, o monstro. Olhamos um para o outro - na verdade eu nem sei se aquele bicho tem ou não olhos, mas estou certo de que ela me olhou - ficamos assim durante uma hora, ou um minuto - o tempo passa de maneira diferente quando você olha para uma barata, isso é física pura - e eu pensava como seria bom estar com uma bota sete léguas cano longo naquele momento. Por fim, ela correu pra baixo da geladeira, e eu fiquei sem meu café.

Adqurimos então uma relação de respeito e ódio mútuos - eu insistia em buscar café descalço, e ela insistia em ficar esperando que eu fosse buscar café para aparecer - até que um dia, cansado daquela situação ridícula , resolvi calçar sapatos para entrar na cozinha. Em duas ou três incursões clandestinas, matei-a. E descobri um segredo estarrecedor. Não era apenas uma barata, e sim duas. Por isso ela se movia tão rápido.

Eu tinha então, um novo - e maior que o anterior - problema. Dessa vez quis resolvê-lo o mais rápido possível.Voltei ao campo de guerra no dia seguinte.Achei-a no batente da porta. Realmente era bom cuidar daquilo logo, antes que minha arquiinimiga resolvesse explorar lugares novos, como meu quarto, por exemplo. Me preparei, repirando fundo fundo e buscando apoio nos espíritos ao redor, fossem eles quais fossem. Me virei e desferi um golpe marcial que deve ter feito Bruce Lee revirar-se no túmulo. E foi então que nojenta também me atacou com sua arma derradeira. A barata não é apenas repugnante, mas também deve ter sorte, pois quando a atingi, sentindo o horrível amassar sobre minhas botas ela conseguiu espirrar aquela meleca - não preciso explicar, vocês sabem - exatamente em minha mão direita ( graças à Deus, sou canhoto) . Meu desespero não podia ser maior. Corri até a pia, abri a torneira, o mínimo possível de forma que a água saísse quase fervendo e despejei meio vidro de sabão. Naquele momento, a vontade que eu tinha não era de lavar a mão, mas sim amputá-la. Se eu fosse uma lagartixa, teria feito isso sem pestanejar. Enquanto isso a minha agressora se contorcia no chão como qualquer barata faria. Esta era a senha para atinji-la novamente, pois, provavelmante, eu não a acharia de manhã. Desta vez eu usei uma vassoura e fiquei o mais longe possível.Arghh!!

É necessário que se faça alguma coisa com esse bichos.Elas sobreviveram aos dinossauros - talvez tenham sido a causa da extinção deles, quem pode saber - irão sobreviver a nós também?Vamos exterminá-las, elas não fazem falta a nenhum equilíbrio ecológico. Provavelmente, nem foi Deus quem as criou. Até mesmo os sapos e morcegos ficarão agradecidos.

Uma Barata boa é uma Barata morta!
 

George Orwell previu, em "1984", que nossa sociedade seria observada 24 horas por dia por câmeras, o tal "big brother".


Acertou na mosca.

O que Orwell não previu é que íamos gostar tanto.

Atualmente, compra-se, por qualquer dez merréis, uma webcam com qualidade sofrível. A internet é uma platlaforma de lançamento perfeita. Hoje em dia, transfere-se arquivos de várias dezenas de megas em instantes para qualquer site, onde o mundo todo pode ter acesso. E o resultado é uma onda sem precedentes de narcisismo.

Em qualquer época, em qualquer lugar do mundo, o ser humano sempre quis ser famoso. Ser bom em alguma coisa. Ser respeitado, admirado, olhado de baixo pra cima. Se destacar na multidão, não ser mais um. Ser célebre. Daí vem "celebridade".

Mas antigamente, você precisava ser alguma coisa, ou fazer alguma coisa notável para conseguir esse feito. Seja escrever um livro ou ser um grande ator. Hoje em dia, todo mundo quer seus 15 segundos (Andy Warhol errou, 15 minutos é muito) de fama por qualquer coisa.

A chegada dos reality shows na TV só piorou tudo. Numa edição de um Big Brother, a pessoa encontra modelos perfeitos do que ela gostaria de ser. "Ele é igual a mim. Só falta eu ter músculo". E tome bomba para fica igual.

Sempre existiu a figura do "comedor". Era aquele cara que fazia propaganda aos quatro ventos de toda menina que ele pegava. Hoje isso não é suficiente. O cara tem que comer, filmar e mostrar para a galera. O pior, está acontecendo com o consentimento das garotas. Também sempre existiram as "gostosas" da escola. E para elas bastava, bem... ser gostosa. Não hoje. Agora, a gostosa tira fotos de si mesmo no espelho, de calcinha e sutiã (as vezes nem isso), e tasca no perfil do Orkut. De acordo com alguns filminhos que circulam pela net, todo casalzinho de namorados transa como se estivesse num filme pornô. Os moleques soltam pérolas como "vai vagabunda", "mexe esse rabão" ou coisa pior. Elas gemem como profissionais (que pelos menos são pagas pela encenação), fazem caras e bocas e atuam num desconfortável meio termo entre como deve se portar uma menina de 12 anos e uma dona de bordel.

Talvez eu seja o careta, o tiozinho da situação toda. Talvez esse seja o futuro que chegou, e se por um lado tudo é mais razo, por outro haverá mais espaço para alguém com três neurônios sobressair-se. Mas me preocupa.

Preocupa porque não há contrapartida. Eles continuam na punheta deles, e não se interessam por mais nada. Você pode ser bonito, forte e pegador e ainda assim, ter aspirações. Não é o que eu vejo. Sinto nos moleques e meninas a forte crença de que uma barriga de tanquinho ou uma bunda perfeita vai levá-los sim, longe na vida. Sinto uma dualidade perigosa. A vontade de ser adulto aos 12 anos e continuar um moleque aos 35. Sinto que vários adultos entraram nessa também, e diversos manés que nunca foram nada na vida passaram a enxergar nos anabolizantes e cirurgias plásticas uma chance para voltar ao mundo mal resolvido de suas adolescências.

Não vejo problema com vaidade. Acho que todos devem tê-la em uma medida. O dificil é quando vira objeto de mobilização nacional.


Capitulo 4

Omaha - 1993
Segunda faixa do álbum August and Everything After
Counting Crows


Faz tanto tempo... E parece que foi ontem.
Em 1994 passei a morar sozinho. Eu tinha 22 anos. Consegui alugar um apartamento em plena Praça Vilaboim, a metros da FAAP, onde estudava. Era mais ou menos um sonho se realizando.

Era um quarto e sala de bom tamanho, praticamente sem vista. Os armários da cozinha precisavam ser escorados, senão caíam. Minha grana era tão curta, que não consegui comprar a tinta necessária para cobrir as paredes sujas. Resolvi fazer um "efeito" com uma esponja, a sala com um tom marrom, e o quarto, seguindo o padrão azul. O resultador ficou.... sui generis. Acho que se eu vivesse olhando aquelas paredes hoje em dia, já teria desenvolvido algum tipo de epilepsia. Mas funcionava. Escondia a sujeira.

Eu chegava do trabalho pelo metrô Marechal Deodoro, subia uma interminável ladeira chamada Albuquerque Lins, e dava para esperar em casa vendo TV antes de ir a pé pra faculdade. Quando (como o Vinícius bem lembrou no post anterior) eu resolvia estudar no boteco, eu atravessava cambaleando a praça, direto para a cama, às vezes com a roupa do corpo. Era sensacional.

Nos fins de semana, estranhamente, a rotina era mais branda. Gabriela vinha me visitar, e tínhamos nossa rotina de casalzinho jovem, subitamente libertados da necessidade de fuga que tínhamos quando namorávamos nas casas de nossos pais. Ali era minha casa, meu castelo.

Não faltava nada, mas o apê não se parecia com nada, também. Cada um dos (poucos) móveis que eu tinha, veio dos restos da mobília velha das casas de parentes. E cada um de uma época. Compramos uma manta para cobrir o sofá, que segundo minhas memórias ficou muito bonito. A função verdadeira era para cobrir o grande rasgo no assento.

De novo mesmo, eu tinha a geladeira e o microondas (que me seguem até hoje!).

Mas como era bom.

Eu e a Gabi fazíamos compras nos fins de semana. Voltávamos do mercado cada um com dez sacolas nas mãos, quase todas rompendo com o peso, e andávamos bem uns 6 quarteirões, parando de quando em quando para fazer voltar a circulação nas mãos.

A falta de carro nos deixou vários finais de semana no apartamento.Não ligávamos. Tinha uma locadora bem na esquina, enchíamos a casa de filme, e assistíamos juntos, deitados, divindindo impossívelmente um sofá de 2 lugares, numa televisão velha que ficou completamente verde na mudança.

No domingo, andávamos de bicicleta no bairro de Higienópolis. Voltávamos cansados, bebíamos cerveja e enchíamos a cara de Tequila com limão, escutávamos Counting Crows (um dos poucos CD's que tinhamos) depois dormíamos juntos, o resto da tarde. Ás vezes, andávamos até a Avenida Paulista, pegávamos um cinema e voltávamos. Ela era minha, eu era dela.

Não havia guarda-roupa. Com o tempo comprei uma penteadeira, onde colocava tudo, mesmo aquilo que precisava de cabide. Minhas revistas, numa dessas estantes de aço. Cabia tudo.

Um fenômeno estranho começou a acontecer. Cada vez mais roupas da Gabi apareciam em minha casa. No começo era um pijama, depois uma roupa extra pra sair se fosse o caso. E quando eu dei por mim, o figurino dela todo estava lá. Precisei tomar uma atitude enérgica. Compramos uma fruteira. E nela colocamos a roupa da Gabriela. Cabia tudo.

Alguns meses depois, o inevitável aconteceu. Gabriela se formou, foi para lá um dia. E nunca mais saiu. Nem da casa, nem da minha vida. O apartamento, tão sem jeito, tão tímido, ganhou flores, ganhou quadros. Um tapete que dizia bem-vindo. Copos para visitas. Cabia tudo.

Ali eu aprendi a ser sozinho. E logo depois, a ser dois. Ali eu aprendi a cuidar de alguém, e conheci o amor que não vem da família. Ali eu aprendi aos poucos, o que é ser casado, e por isso não me espanta tantos casais se separem depois de tão pouco tempo. É porque casaram de repente. Eu casei aos poucos.

Dali mudamos muito, e pra lugares sempre melhores. Mas quando me lembro do velho edifício Caribe, eu só lembro dela, e de mim, e dela e nós dois o dia inteiro, a noite inteira, o tempo todo.

A vida tem sido assim, até hoje. Já cantamos músicas mais tristes, mais amargas, e outras muito mais alegres. A banda cresceu, e hoje é menos etílica, mas com certeza, mais feliz ainda, com uma voz nova. Eu, ela e ele.

E continua cabendo tudo.

Na sexta feira, dia 19 de junho, por volta da meia noite, eu estava terminando de ler "A Estrada" de Cormack McCarthy, ganhador do Pulitzer de 2007. Aos prantos. Sério.

Não é uma reação que livros normalmente causam em mim. Sou um mega-chorão de cinema, não me contenho e nem quero. Mas em literatura, tudo é mais cerebral, o autor precisa ser hábil demais para me fazer esquecer que estou lendo, mesmo que eu esteja adorando o livro. Mas McCarthy conseguiu.

Comprei o livro após ver o trailer do filme que estréia em outubro (http://www.apple.com/trailers/weinstein/theroad/). Fiquei instantâneamente hipnotizado pelo que sugeria a história. Sou um grande fã de filmes com temática apocalíptica. Gosto muito da ficção que me faz imaginar que tipo de rumo tomaríamos como povo em situações-limite.

Mas o livro é bem mais que isso. Bem mais do que eu esperava que fosse.

Sem querer estragar o prazer de ninguém que resolva comprar o livro, "A Estrada" conta a viagem de um pai e seu filho, do norte ao sul de uma América gravemente atingida por alguma catástrofe que não é explicada em momento algum, mas que também não vem ao caso. Eles precisam sair do frio intenso e buscar a costa, onde o pai espera que o clima seja mais ameno, e aumente suas chances de sobrevivência. Não sobrou nada. Não há comida, nem água, nem animais, e os poucos seres humanos que restaram não são do tipo que alguém gostaria de encontrar.

A estrada em si é um terceiro personagem do livro. Assustadora, cinza, fria, ameaçadora. A cada página ela desafia sua coragem de saber o que repousa na próxima de suas curvas.

Uma maneira de ler o livro é de forma concreta. Como um livro de suspense, e só assim já seria uma obra-prima. Várias passagens me deixaram com calafrios, vários dias fui dormir com pensando no que eu faria naquela situação.

Mas especialmente para quem é pai (ou mãe), e mais ainda para aqueles que (como eu) tem um filho único, o livro é uma experiência devastadora. McCormack esfrega o amor por seu filho em sua cara, ele te deixa com o coração pequeno. Algumas noites, tive que fechar o livro e ir ao quarto do meu filho, abraçá-lo no meio do seu sono. Ter certeza de que ele é real, que está ali, quentinho e a salvo do mundo, debaixo de minhas asas.

A estrada do livro se parece demais com as estradas pelas quais caminhamos todos os dias, enquanto levamos conosco nossos filhos e entes amados. Tentando protegê-los dos perigos, colocando nossos corpos na frente dos tiros. Evitando os contatos errados no percurso. A cada vez que o personagem do livro se vê obrigado a deixar o pequeno menino sozinho e morto de medo à beira da estrada para verificar se há algum perigo à frente, é impossível não se identificar. Quem tem filhos sabe exatamente que mesmo tentando cercá-los de carinho, e cuidado o tempo todo, é inevitável que o mundo se apresente assustadoramente mais cedo ou mais tarde. E o quanto dói vê-los perdendo, pouco a pouco, a inocência e pureza que os faz tão bonitos.

Carregamos nossos filhos cuidando e protegendo-os pelas estradas da vida, torcendo para que, quando chegue o inevitável e temível momento onde eles decidirão seus próprios passos, tenham a sorte, a sabedoria e a vontade de utilizar aquilo que ensinamos, e nos superar nesse trabalho.

"A Estrada" é um livro perturbador e maravilhoso, que me tirou o sono e me desafiou página a página. Foi direto para o topo da minha lista de melhores livros, e não deve sair de lá tão cedo.

Bom, geralmente não faço isso mas esse como o comentário do Vinicius está bem fundamentado, vou abrir exceção aqui, pois ficou muito grande pra área de comments Vou parte a parte, Vinicius, interrompendo-o enquanto comento. A arte da dialética é uma coisa interessante. Você acaba de usar a lógica, a razão, para convencer as pessoas.


Obrigado. Se eu não tentar usar a razão, seria com o quê?

Bem, sou artista plastico, atuando como designer gráfico (sim, posso fazer isso, pois o universo de um curso de artes plasticas é extremamente superior ao de um curso de design), e também formado pela FAAP.

Ótimo, vc é artista plástico. São áreas correlatas. Não vejo nada errado em um artista plástico ser um Designer, nem vice-e-versa. Dizer que o universo de artes plásticas é superior é só seu ponto de vista. Vc vê, eu desenho, e pinto desde que me entendo por gente, mas nunca me intitulei artista, porque tenho muito apreço pela arte, nunca me julguei à altura. Design e arte são coisas diferentes. Correlatas - mas diferentes. Arte (na minha opinião) se faz para satisfazer a SI MESMO, é uma maneira das mais nobres de se expressar. Em design, vc tem que satisfazer ao mercado. Expressar o cliente.

Qual a parte mais importante do corpo? Qual a que tem menos importância? Você vive sem um fígado? Sem um estômago?

Queria só saber o que o corpo humano tem a ver com vida corporativa. Comparação meio pobre, mas vá lá, vc vive sim, sem um dedo.


Sua justificativa é deprimente, talvez seu curso tenho sido em alguns dos botecos ali da Vila Boim, enquanto alguem fazia seus trabalhos.

Pois é Vinicius. Fui bastante nos botecos mesmo. E aprendi muito ali, com amigos que são hoje, grandes profissionais no mercado. Mas fiz minha facu direito. Vc devia saber, pois fomos colegas de classe, até os ultimos semestres, onde vc optou por LEA, não? Não lembra dos meus trabalhos? Eu sempre ficava com a nota só um pouco menor que a do Roberto com o Toshi (o Roberto sim, esse e um cara que eu sempre considerei Artista, bom técnica e conceitualmente). Ninguém NUNCA fez meus trabalhos, muito pelo contrário, eu que ajudei alguns no caminho.


Um dos fatores que fez nossos antepassados deixarem de grunhir e criar formas de sobreviver até hoje, foi organizar suas ideias, seu modo de vida... Lembra das pinturas ruprestes? Representear, denotar, conotar, narrar, ícone, símbolo, use o termo que quiser, aqueles "desenhinhos", tem uma função, e se tem função...

De novo, vc confunde ARTE com DESIGN. Design gráfico é uma necessidade de mercado, não de expressão. Nenhum homem das cavernas desenhou cartão de visitas. Ele se expressou, e isso é arte.

Uma bomba atômica não vai destruir o mundo, o Google não vai virar a Skynet.

Espero que não. Mas se acontecer, eu não vou correr atrás de um designer pra tratar meu filho.

O problema nosso, dos designers são vários. Como ser designers num país onde se chama de "cultura" um evento alcunhado de Carnaval? Pegue um pedaço de pedra na Itália e ela terá mais história para contar que qualquer manifestação acéfala nacional.

De novo Vinicius. O mundo e o ser humano, não vivem sem arte, nisso nós concordamos. E não precisa de diploma pra ser artista, precisa? E vc acha que deveria? Mesmo?


Outro problema, que advém também de uma ignorância de certa forma, são os clientes. Vamos imginar uma situação hipotética, que tanto gosta: Um pequeno empresário, bem sucedido e já ganhando com sua empresa um bom dinheiro, fabrica tênis de excelente qualidade. Um dia ele decide que precisa de um "logo" e te chama. Você estuda a empresa, o público dele, etc, etc, etc. Aí, com uma ideia brilhante, você sintetiza tudo, num elemento aerodinâmico curvo, sugere usar um slogan JUST DO IT e um nome NIKE. Pede o quê, R$ 2000??? O cara te olha e diz: "Estava pensando um valor bem mais em conta, só algo bonitinho pra ir nas caixas." A culpa é do designer?

Se o cara tem uma fabriquinha de sapatos que vira a NIke no futuro, o designer não tem que ser tornar sócio dele porque desenhou o logo. Mas se a Nike me contratar HOJE, eu não vou cobrar só 2 pau dela. Então, cobre corretamente do seu cliente, de acordo com o tamanho dele, a responsabilidade do trabalho, atenda-o soberbamente e, se ele crescer, melhor pra vc, porque vc terá na mão uma conta valiosíssima.


Posso me alongar aqui em milhôes de coisas, a falta de um sindicato ou organização que realmente funcione, desorganização e falta de ética por parte dos designers, submissão por parte dos designers em fazer merda em troca de bom salário.

Concordo. Mas regulamentar não tem a ver com diploma. Repetindo o que falei na lista, Empregadas domésticas são regulamentadas, e não tem diploma.

Não estou desmerecendo outras profissões, acho só que cada macaco no seu galho.

Concordo. Por isso peço para os designers pararem de se comparar com médicos, advogados e engenheiros e criarem suas próprias realidades. E respondendo ao seu último comentário. Reparei no tom agressivo, mas não me ofendeu. Se não quisesse opiniões, não teria aberto um blog. Não me tome por mal, sou extremamente zeloso com minha profissão, quero melhorá-la, mas me cansa quando há tantos anos leio a mesma coisa, sem que ninguém mude de atitude.

Um abraço

Faço parte de uma lista de designers gráficos.

Com a notícia de que não será necessário diploma para exercer a função de jornalista, não demorou para o designers (minha profissão) se sentirem atingidos por tabela, e tecerem comparações. O que postei na lista segue abaixo:

Eu tinha certeza que essa discussão ia chegar aqui.

E minha opinião vai ser completamente diferente da maioria... fazer o que?

Eu acho que não precisa mesmo de diploma. Não precisa. Grandes jornalistas que estão por aí não tem diploma.

E quer saber mais. Também não precisa de diploma para ser designer. E antes que alguém pergunte, sim, sou formado em Design Gráfico pela FAAP, há mais de 12 anos.

Encarem os fatos, Andy Warhol não era designer, mas se ele quisesse fazer uma embalagem pro seu produto, vc recusaria? O que interessa, tanto em Jornalismo quanto em Design Gráfico, é o talento. E ponto.

Mas de modo algum acho que isso desmerece o peso da faculdade... se eu fosse contratar um designer hoje, o diploma teria sim, um peso enorme. Com certeza, o mercado dá valor a quem é formado. O cara que não é formado tem que se provar o triplo. Só que profissionalismo não se aprende em faculdade, não se enganem.

Me desculpem, mas o que falta em nossa área é profissionalismo, não diploma. É saber se portar, saber cobrar, saber dar e cumprir prazo, saber se expressar na frente de um cliente, saber se portar numa reunião. Isso diferencia o profissional MUITO MAIS que um canudo, ou mesmo regulamentação.

E uma coisa que designer tem que aprender, na minha opinião, é PARAR de se comparar a médico, advogado, engenheiro e dentista.
ACORDEM, se cair uma bomba amanhã e a humanidade tiver que se recompor, vamos viver sim, muito tempo sem designer, sem jornalista, sem decorador, mas DE MODO ALGUM, sem médico, dentista, engenheiro, cientista.

A faculdade dessas profissões é NECESSÁRIA porque ninguem aprende a fazer uma safena via tutorial na interner. Um médico passa 10 anos estudando e fazendo residência antes de montar um consultório. Designer faz freela no primeiro ano de facu. Se uma ponte cai, tem lá a assinatura do engenheiro que a projetou. Ninguém liga pro designer as 3 da manhã falando que tá com dor no logotipo. Liga pro dentista.

Essas profissões ganham mais porque tem que ganhar. Porque são essenciais.

Façam um exercício de humildade, saber disso não torna nossa profissão menos necessária no mundo de hoje.

Conforme prometido no último post, passo a publicar o que escrevi para o finado paudabarraca.com.br. Esse foi escrito por volta de 2001. Então não venham me dizer que parece com o Cilada, porque nessa época o Bruno Mazzeo ainda estava no playground, certo?


Uma das coisas imprescindíveis na vida é aprender a se comportar numa mesa. Assim, você poderá esquecer tudo que aprendeu, para saber como se portar numa Churrascaria.
À princípio, parece até fácil. Basta sentar o rabo na cadeira e se empanturrar até não agüentar mais, e ir embora rolando para casa. Engana-se quem pensa assim. Comer em uma Churrascaria requer um nível até avançado de conhecimentos, para que não se coma gato por boi.
Felizmente, o paudabarraca está aqui para ajudá-lo a tirar todas aquelas dúvidas que você nunca teve cara-de-pau de perguntar a ninguém.

1 - Escolhendo uma Churrascaria
Preste bem atenção. Em matéria de Churrascaria, não se deixe guiar pelo nome. Um nome pomposo, com sotaque francês pode ser uma bosta, enquanto "Porcão" é uma maravilha. Existem outros modos de se ter uma pista da qualidade da Churrascaria antes de entrar. O principal deles é o mais óbvio: o preço.
Simples e básico: uma Churrascaria de R$ 35,00 por pessoa é excelente. Uma de R$ 8,90, geralmente, não. Por isso, se seu bolso anda igual ao meu, é melhor ficar na faixa de R$ 12,00 ou R$ 13,00.
Outra forma fácil de identificar quem entende da arte do churrasco é dar uma olhada nos garçons. Todos vão estar devidamente fantasiados de gaúcho. A diferença é que, nas piores, aquele japonês e aquele cearense não enganam ninguém.

2- Entrando na Churrascaria.
Seja duro. Seco. Tudo ali é uma arapuca, pronta para você gastar o máximo, e comer o mínimo.
Se for um final de semana, é muito provável que apareça do nada um garçom com uma infinidade de licorezinhos ditos "para abrir o apetite". Um desavisado poderá achar que aquilo está incluso no preço do rodízio: ledo engano. Tome duas daquelas malditas canequinhas (são sempre bregas:azuis, rosas, com o nome do estabelecimento gravado na frente) e você já terá dobrado o preço do seu churrasco.
Conheço pobres inocentes que chegaram a tomar três ou quatro, e ainda pediram para encher só até a metade, enquanto o garçom vestido de gaúcho ria de uma orelha a outra.
É chegada a hora de conhecer a mesa de frios. Bom, mesa é modo de expressão, porque o a coisa mais parece um chafariz de comida. Ali, tem de tudo. As mulheres adoram.
Pesquise bem o que pegar. Não se empolgue, senão em dois minutos você estará comendo lazanha, e esse não é o seu objetivo nesta noite.
Ao sentar, tenha certeza. Mesmo que você estenda um outdoor vermelho, para a carne não passar ainda, o maldito gaúcho da lingüiça vai querer empurrá-la (no bom sentido) em você. Recuse. Lingüiça, você come em qualquer churrasco do seu sogro.

3- Finalmente, as carnes
Diretiva número 1: não tente conversar.
Você está com a boca cheia, com fiapo de carne no dente, e os gaúchos não vão deixar. É um tal de "chuleta?", "picanha, senhor?", "maminha?". Esqueça. Concentre-se nas carnes. Aceite somente aquilo que você realmente gosta. Não tenha pressa, a churrascaria é grande, tem espaço para todo mundo. Se você for do tipo extrovertido, faça um alongamento de quinze em quinze minutos. Os gerentes não gostam, mas diabos, você tem seus direitos.
Quando voltar a passar só lingüiça, é porque você já está a muito tempo comendo. Está na hora de fazer pedidos.
Chame o gaúcho. Explique o que você quer. Fale da carne como quem fala da Luma de Oliveira. Seduza o cara. Ponha uma nota no bolso dele. Você vai ver. O sujeito vai sair lá do fundo, com aquela picanha sangrando, atravessar o salão inteiro ignorando o povo, e vai direto para sua mesa, oferecer o primeiro pedaço.
É imperativo saber a hora de parar. Preste atenção nos pequenos detalhes. Quando a mesa começar a se afastar sozinha, é um sinal. Veja se não é sua barriga que a está empurrando. Se for apenas um poltergeist, ou um terremoto, continue comendo.


4- Indo embora.
Considerando a orgia alimentar que você acabou de participar, é bom não facilitar as coisas. A tentação de cair no sono ali mesmo será quase irresistível.
Faça alguma coisa à respeito, discretamente. Na saída, finja tropeçar e caia no aquário,ou coisa parecida. Ninguém vai reparar, todos vão estar ocupados, entupindo-se de carne.

Há váááários anos, qdo eu era um dos escritores do saudoso (nem tanto) paudabarraca.com.br, eu montava Guias de Sobrevivências para os tempos modernos. Vou republicá-los aqui, e escrever alguns novos, porque o mundo está cada vez mais complicado, e você, leitor, pode precisar de nossa valorosa ajuda para deslizar calmamente por algumas águas da vida.


O guia de reestréia: Academia.

A maior preocupação do ser humano atualmente é a aparência. Bons tempos aqueles em que uma pessoa era apenas amante de grana, sexo ou poder. Nada disso adianta, se você não estiver bonito.

Os antigos já diziam, a resposta está em Jesus. Sigam seu exemplo.
Isso é verdade. Se Jesus não tivesse um abdomem de tanquinho, Madonna nada teria visto nele, e por consequencia ele não estaria com a vida ganha nessa hora. Então bora puxar ferro.

Chegar em uma academia pela primeira vez é uma experiência assustadora, pra dizer o mínimo. Pelo menos para pessoas ditas normais, como eu. Você olha em volta e aquele povo todo suado, cheio de energia, agitando garrafinhas de conteúdo não-identificado, e pensa: "onde é o bar dessa bagaça". Mas força, porque tá só começando.

Geralmente o instrutor te olha de cima a baixo, e já manda um veredito: "tá querendo perder, né?". Primeiro ponto a aprender: apesar de musculação ser classificado como esporte, o importante numa academia é perder. Competir, só na segunda fase. Isso que ele disse significa que você ficará relegado ao departamento de esteiras, bicicletas e qualquer coisa que normalmente andaria, mas que, em uma academia, fica preso no chão.

O primeiro desconforto numa esteira é ficar ao lado do cara que corre a 40km por hora, por duas horas seguidas, ouvindo um iPod e vendo TV ao mesmo tempo. E você, no começo vai conseguir, no máximo andar por 15 minutos antes de sentir que vai vomitar. E quando passar alguma matéria interessante na TV que não dá pra ouvir, e você fizer menção de escutar, vai pisar na borda da esteira (que veja só, não anda) e dar uma tropeçada absolutamente ridícula, provocando risinhos abafados até no povo que está na lambaeróbica.

A segunda coisa irritante é que você vai começar a suar. Bom, nada demais, dirão alguns. Deixe-me ser claro: você vai suar igual a um cavalo. Sua camisa vai ficar como se tivesse acabado de sair de um lago. Você vai gerar uma poça tão grande que vão perguntar se você é o homem-fluido. Cachoeiras de suor vão descer da sua testa diretamente para dentro do seus olhos.

E se for na bicicleta, além disso tudo, sua bunda vai ficar um trapo no dia seguinte.

Mas você é uma pessoa dedicada, e quer passar pra segunda fase do jogo. Então, dois meses de corre-corre sem sair do lugar depois, você é promovido, e passa à área dos puxa-ferro.

Você vai notar que essa área tem mais espelho que motel. O povo forçudão não consegue praticar nenhum movimento se não estiver prestando atenção em cada veia que sobe no processo. E para você, que ainda está em forma de kibe, o espelho é uma tortura, só presta para te deixar deprimido. O espelho também é usado para que os atletas admirem a forma física de outros atletas sem que pra isso tenham que passar pelo inconveniente de olhá-los nos olhos. Aliás, neste lugar, olho é o que menos importa.

É importante você parecer natural no ambiente, o que é dificil quando se está quase morrendo para levantar cinco quilos ao lado de uma mina que levanta duas toneladas com o glúteo esquerdo, mas tente. As séries geralmente são de 12 movimentos, e você provavelmente vai achar tudo muito fácil até o oitavo. Daí pra frente, seu corpo para de te pertencer, e você é subitamente possuído pelo espírito do Mr. Bean. Na verdade, parece que seu corpo foi substituído por um daqueles bonecos de vento que ficam na porta de concessionárias.

Conheça a fauna das academias. Ela é típica.

O que mais chama atenção, lógico, são os ultra-marombados. Aqueles caras que tem o braço maior que sua cintura. As tatuagens dos caras são em High Definition, wide screen. Eles geralmente são sérios, não estão ali brincando. São profissionais. Me pergunto se eles se dedicassem com este afinco em seus empregos, talvez teríamos um Bill Gates do tamanho do Schwarzenegger.

Tem as gostosas, que geralmente estão lá por motivos: manter aquilo que o cirurgião plástico montou, exibir aquilo que o cirurgião plástico montou e saber o que outros cirurgiões plásticos montaram em outras gostosas.

Tem os homens-balada, que estão lá só para marcar a saída de hoje a noite e para gritar "urrú!" durante a aula de spinning. Esses estão geralmente ultra bem vestidos e tem 4 horas por dia para gastar na academia. Você sempre os vê ao lado de alguém que está malhando.

Os Tiozinhos, que estão ali porque o médico mandou. As gostosas, às vezes, são suas esposas.

E tem você, que espera ficar tão forte quanto os marombados, tomando tanta cachaça quanto os homens-balada e ganhando tanta grana quanto os tiozinhos, só que em 40 minutos, no máximo. Nem preciso dizer que você vai acabar gordo, fraco e pobre.

É a vida.



Li no twitter uma frase do Oscar Wilde, que coincidentemente é sobre algo que eu já estava ruminando há tempos:

"Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe".

Tenho cada vez menos paciência com pessoas inertes. Que passam pela vida sem deixar marca.
Gente sem ambicão.

Ambição, aliás, é uma palavra muito mal interpretada hoje em dia. Quando se pensa em um sujeito ambicioso, já fazemos a imagem de alguém inescrupuloso, que só pensa em grana, e faz qualquer coisa por ela. Sim, existe muita gente assim, mas não é desse que eu falo.

Existe ambição de conhecimento. De vida. Existem planos ambiciosos, mudanças ambiciosas. O que não significa dinheiro.

Tem gente que perdeu essa aula. Gente que se contenta. É o povo do: "Tá ruim, mas tá bom", do "Tanto faz", do "Eu é que não vou mudar isso", do "também, não tem jeito".

Eu não aguento quem não se choca. Quem não se desestabiliza, que acha que não erra. Gente que, pra não sujar as mãos, prefere não fazer nada, senta a bunda em algum lugar e passa a vida a assistir novela ou telebarraco vespertino (nada contra novela, é só exemplo, viu).

Tenho pouca paciência com quem tem muitas certezas. Pessoas que acham que o mundo está resolvido.

Gosto mais de quem está confuso. Que não está entendendo nada. Prefiro gente que busca. Busca qualquer coisa, mas sabe o que está buscando. Que valoriza mais a estrada do que a chegada. Sou mais da galera que bate a cabeça no processo.

Fico cabreiro com pessoas que não falam nada. Que não se comprometem, estão sempre analisando tudo, de um lugar confortável. Já prefiro quem fala demais, dá a cara a tapa, se expõe. Pelo menos deles, eu sei o que esperar.

Tenho problemas com gente burra. Não estou falando de educação formal, mas sim do brilho nos olhos de alguém que quer aprender, sempre. Gente esperta, não espertalhona. Gente que não vira as costas para conhecimento.

O problema é que o mundo está cada vez mais cheio deles. Esse povo que prefere não remar contra a maré. Ou que acha que pra ser diferente é só parece diferente, se vestir diferente, cortar o cabelo diferente, mas que no fundo, é tão ou mais careta que os próprios avós.

Entram e saem do mundo sem serem percebidos. Ou como disse Oscar Wilde, apenas existem.

Estou cada vez mais pobre de novidades musicais. As coisas diferentes que eu descubro são de no mínimo 20 anos atrás. Tô ouvindo jazz antigo. Rock antigo. MPB antigo.


Numa conversa com Léo (do nunca atualizado Xuruetismo), sobre o Last.fm, estávamos falando sobre a saudade que sentimos do rádio. Papo de tiozinho, mesmo.

Nas épocas pré-mp3, na época em que a principal função do rádio de um carro era enrolar a fita k7 que vc tinha perdido horas montando, na época em que as pessoas entravam nas baladas segurando um trambolho do tamanho de uma caixa de ovo pra não roubarem do carro, aquela época onde a gente comprava CD para ouvir em casa, nessa época, o rádio era fundamental. Era seu companheiro de trânsito (sim, já havia trânsito em Sampa nessa época).

Hoje eu ouço rádio de notícia, e só. Meus CDs com mp3 de poupam da tortura que é colocar na 89 pra ouvir rock, e acabar com um (atenção para gíria de velho) poperô na orelha.
O rádio era a fonte que a gente tinha para ouvir os sucessos, mas também para descobrir coisas diferentes. As emissoras tinham personalidade. Cada uma mais ou menos especializada num filão, bem claro. Os DJs (bom, pelo menos alguns) entendiam de música. A gente acreditava na palavra de certos caras. Tinha programas inteiros só com banda nova.

Sim, vão dizer que tá tudo aí ainda, se eu quiser me aprofundar, vou achar tudo na internet, com mais detalhes que antes. A nostalgia pode ser sem sentido mesmo, mas o fato é que eu perdi o hábito!

E foi essa sensação que eu resgatei escutando a last.fm (no pouco tempo que tive antes de descobrir que é pago!). Em 20 minutos eu tinha escutado 5 bandas que nunca tinha ouvido falar, todas boas. E todas com a minha cara.

Isso é uma boa nova na rede. O aparecimento dessas rádios combate a pirataria de maneira muito mais eficaz do que as recentes iniciativas reaças da primeira-dama da França. Devolve o sentimento que havia em torno das estações. Democratiza.

Mas bem que podia ser gratuito.


Pra quem não conhece e ficou curioso. Pra quem conheceu e está com saudades.

Eis aí a Vila Rosa, formalmente conhecida como Jatiboca, fotografada pela Fernanda, filha da Kátia (minha prima, e uma das sortudas moradoras da última casa, naquela época). Quem mandou foi o Luiz Otávio, que era apenas o Tatá, não tinha quase 2 metros de altura, e morava mais ou menos no meio da vila.

A piscina, e outras modernizações na casa maior, que aparece ao fundo, são coisas novas. Nada disso havia em nossa infância, e nem fazia a menor falta.

Obrigado a todos que colaboraram!



Capitulo 3
1976 - Fazenda
1ª faixa do álbum Geraes - Milton Nascimento


Pode procurar no Google Earth. Existe no mundo um lugar chamado Jatiboca. Um só.
E lá foi o melhor lugar do mundo.

Nasci em Minas Gerais. Antes de completar dois anos de idade, meus pais mudaram-se para o Rio. Mas eu nunca deixei de ser mineiro. Boa parte da família (que não é pequena) ficou lá. Nas férias, meu pai nos colocava a todos dentro de uma Brasília creme, e nos levava para Ponte Nova, minha cidade natal.

Ponte Nova era apenas o porto de partida para onde realmente me interessava. Distante uns 45 minutos da cidade, havia um lugar chamado Vila Rosa, que era uma vila de funcionários de uma usina de cana-de-açúcar (que até hoje existe) chamada Jatiboca. Lá moravam dois tios meus. Tio Bertoldo, Tia Heloísa, e onze primos e primas. Oito de um, três de outro.

Para mim, aquele lugar sempre foi simplesmente, Jatiboca.

A princípio passávamos alguns dias em Jatiboca, eu e meus irmãos. Mas a medida que eu cresci um pouco, adquiri o direito de ficar as férias inteiras lá. Fui o único dos três que teve essa sorte.

Não sei exatamente como descrever o quanto aquelas férias eram boas. Talvez seja melhor você ouvir à música do Milton, que parece tê-la escrito, do começo ao fim, para mim. Se eu pudesse voltar no tempo, e se me dessem a chance de trocar aquelas férias no meio do nada, por viagens para os Alpes, para a Disneylândia, para qualquer resort do mundo, eu recusaria sem a menor cerimônia.

Aquilo era muito mais do que férias. Era minha celebração à liberdade. Lembro-me de hordas de garotos, vagando entre os canaviais, entrando em florestas, nadando em pequenos rios, comendo qualquer fruta que aparecesse em uma árvore, fazendo guerras de lama, soltando pipas, no meio de cachorros, bicicletas e tios. Depois voltar para casa, sujos até a testa, mortos e felizes de cansaço, prontos para ouvir o papo dos adultos.

Lembro das conversas na varanda, das histórias de assombração que me deixavam acordado a noite toda, enxergando um fantasma em cada canto da casa. Lembro da saudade que eu sentia dos meus pais, que aquela altura já tinham voltado pro estado do Rio. Minha mãe, toda preocupada, sempre perguntava: "Quer voltar, filho?". Era a hora que o choro parava: "Não, aí também não, eu aguento."

Se eu fechar os olhos agora, consigo sentir perfeitamente, o cheiro que o vinhoto de cana deixava no ar da vila toda. Um cheiro que todo mundo acha horrível, mas de tanta memória boa que me traz, não consigo não gostar.

Jatiboca não era só minha. Os pais de outros primos os levavam para lá da mesma maneira que os meus faziam. De modo que lá era uma verdadeira convenção de Teixeiras. Vínhamos de todas as partes do Brasil, de Porto Velho a Porto Alegre. O resultado era uma sensação de pertencer àquele lugar, um calor de ser recebido que duvido que muitas pessoas tenham experimentado em suas vidas.

Foi a melhor parte da minha infância. Agradeço todos os dias àqueles tios, tias, primos e primas por terem feito parte de alguma maneira. E a meus pais, que me largaram lá (com o coração apertado, tenho certeza), e voltaram para casa, ficando longe todos aqueles dias. Hoje eu olho pro meu filho, e não sei como vocês conseguiram.

Pode procurar no Google Earth. Jatiboca está lá. Só tem uma. As fotos que estão lá (e eu só as descobri hoje) são de um certo Marco Teixeira. É meu primo.

Só mesmo sendo um Teixeira pra colocar Jatiboca no mapa.
Valeu, Marco.

Apresento a todos...



O Sapato que abre garrafa.
Já pensou o sucesso que você vai fazer com as mina?
No barzinho, o garçom chega com a breja. E você já lança:
- Xá cumigo, chefia!!
E já vai arrancando o mocassim. As mina vai gamar.

Agora, falando sério. Um sapato que se auto limpa ao pisar na merda, ninguém inventa, né?



Pois é.

Viajei por 15 dias para o Nordeste. Mais precisamente, de Maceió a Recife, de carro parando em qualquer lugar que nos desse na telha.
Vi e vivi mais do que um post aqui poderia comportar. Por isso estou pensando em fazer um outro blog, só pra explicar viagem. Queria ter feito isso com as anteriores, mas paciência.
Fomos eu, a Gabriela e o Francisco. Ficar esse tempo todo sozinhos é incrível. Só os três. Sem televisão, sem amigos, sem telefone. Toda família devia fazer isso, de vez em quando. A gente volta mais forte, mais junto, mais preparado.
O nordeste é um lugar diferente de qualquer outro que já fui. Te joga na cara ao mesmo tempo, e em quantidades iguais muita beleza e feiúra, o que o Brasil tem de mais rico e mais pobre.
Lógico que, estando de férias, o que eu mais queria era ficar boiando o dia inteiro naquele mar que parece piscina de hotel, de tão quente.
Foi espetacular. Espero poder contar em detalhes.
Aí eu volto (faz uma semana) e não consigo escrever nada. Espero quebrar o ciclo com esse post que vai do nada pra lugar nenhum, mas vira a página das férias, e vamo que vamo.

abraços a todos, estou de volta.


O blog estará meio... adormecido nas próximas duas semanas. Se der, dou sinal de vida.
Se alguém quiser me achar, comece procurando por aqui:

Lã Ráuse? Tem não sinhô...

Para um fã da história em quadrinhos há pelo menos 22 anos, assistir Watchmen é uma experiência quase onanista. Nem tudo está lá (e eu nem esperava isso, a série é muito grande), mas tudo que está, ficou perfeito.


Os cenários, figurinos, paleta de cores, os atores perfeitos. Muitos reclamaram que o filme era muito longo, e eu ali, torcendo para ele não acabar.

Watchmen, juntamente com Cavaleiro das Trevas (a HQ, não o filme) praticamente definiram o tipo de nerd que sou hoje. Até então eu comprava minhas revistas, e tinha bastante Pato Donald misturado com Homem-Aranha. Dali em diante, eu tinha estabelecido um novo patamar. Posso dizer com certeza, que todos os outros quadrinhos que li, daquele momento em diante, foram comparados com Watchmen ou Cavaleiro. Acho que nem é muito justo com outros quadrinhos.

De maneira que, apesar de já ter visto ótimas adaptações de quadrinhos, como Sin City ou 300, e ótimos filmes baseados em personagens em quadrinhos, como Batman ou Homem de Ferro, nenhum outro filme me causou essa expectativa. Que aliás, foi plenamente cumprida.
O problema é que, dentro de um cinema lotado, não consegui evitar ficar imaginando o que aquele povo todo estava achando daquele filme. Pessoas que nunca leram um quadrinho na vida. Que nem fazem idéia do que é Dr. Manhattan. Não é como o Superman. Qualquer um conhece o Superman.

À medida que o filme avançava, essa questão ficou mais grave. Aquele povo sacou que o filme se passa em 1985? Notaram que Nixon ainda é presidente? Aquela molecada sabe quem foi Nixon? Aqueles sujeitos usando colant, não é estranho? Será que estão pensando: "porque tanta violência"? Eu pensava: "essa geração nem teve medo de bomba!"

Confesso que foi após a primeira hora que eu relaxei da minha tempestade mental e me deixei absorver completamente pelo filme. Com aproximadamente 1:40 de projeção, umas 5 pessoas levantaram e foram embora da sala. Depois, mais umas 3.
Lembrei da crítica da Isabela Boscov.

E então, caiu a ficha.

Aquele filme era para mim. Dane-se quem não quisesse ver. E aqui começa de verdade minha crítica. Cuidado, pode ter algum spoiler.

Parece que Zack Snyder, depois de ter provado para a indústria que conseguia encher as salas com 300 e Madrugada dos Mortos, resolveu bancar Watchmen sem fazer concessões. Alguns fãs mais chiitas podem reclamar que ele deixou partes de fora. Mas não que amenizou qualquer coisa que foi mostrada ali. Das partes pudendas do Dr. Manhattan aos cães mortos do Rorschach, ele não tenta tornar a vida do expectador mais fácil em nenhum momento.

Watchmen é uma adaptação dificil porque no quadrinho de Alan Moore ele não te conduz a gostar de nenhum personagem. Não tem protagonista, nem antagonista. Todos tem falhas, todos tem qualidades, não há respostas. Você adora um personagem, odeia outros, dali a pouco a coisa se inverte. O filme segue isso à perfeição.

Minha grande preocupação era com o final, que eu já sabia de antemão, tinha sido alterado. Mas a solução do roteiro é extremamente inteligente, e economiza muitos minutos ao não precisar se alongar com a história da lula.

Watchmen não é para qualquer um. Nem o quadrinho, nem o filme. Se você não foi ao cinema ainda, esteja avisado: há grande chance de não gostar. Essa é uma obra que não pede "me adore". Se você achar Watchmen "mais ou menos" alguma coisa você não entendeu. É pra amar, ou odiar.

Das várias besteiras que as igrejas (em especial a católica) nos empurram goela abaixo, a mais nociva, na minha opinião, é o tal "feitos a sua imagem e semelhança".


Essa frase, implica que Deus é um sujeito igual a nós, mas com poderes. E num arroubo de solidão talvez, decidiu criar o mundo, e fazer do ser humano uma cópia de si próprio (só que sem os poderes).

Aí é que está o problema. Se somos iguais a Deus, então somos seus filhos prediletos. Isso nos dá um monte de direitos sobre todo o resto, não?

Significa que podemos desfrutar de todo o resto. Foi um presente de papai. Cada árvore, bicho, bactéria, oceano e átomo foi colocado ali para que usemos. Pode tacar fogo, jogar lixo, matar os bichos, porque a Terra é o playground do homem.

Um caranguejo se parece com Deus? Não! Deus é um homem, branco, cabelos longos e barba, com voz bem modulada. Que depois de criar a Terra passa seus dias ouvindo súplicas de seres humanos que, apesar de terem ganhado um presentão desses, nunca estão satisfeitos.

É de uma falta de humildade tão grande, que deve envergonhar o criador.

Se existe um Deus (e não estou dizendo que não se deve crer Nele), a primeira coisa que devemos aceitar é que ele não é nem remotamente parecido conosco. Que nossa cabeça limitada não será capaz nem mesmo de começar a entender os motivos desse ser. Que esse Deus também é, e em mesma proporção, o Deus dos caranguejos, tubarões e caramujos. E se ele estiver olhando mesmo pra cá, não deve estar satisfeito.

Assim, ao invés de ajoelhar a cada noite para pedir qualquer coisa em oração, quem sabe a gente se preocupe em mostrar que somos bons filhos, e que não é legal desagradar tanto uma divindade tão incompreensível. Quem sabe os humanos possam mostrar que são merecedores do espaço que ocupam nesse planeta. Quem sabe cheguemos a conclusão de que somos todos átomos de um ser muito maior.

E de tão grande que ele é, pouca diferença faz se você é um homem, uma criança ou uma ameba, contanto que você não faça adoecer o corpo maior de que faz parte.

Veja a notícia e o vídeo e vamos brincar de ligar os pontos:

O moleque idiota (ou idiotas, já que tem as motos também), está bêbado? Não.

É pobre, pra alegar que não teve educação da família ou escola? Não.

Se ele fosse parado, 500 metros à frente, por um comando, fazer bafômetro nele ia adiantar alguma coisa? Não.

Na verdade, esse é o problema. A Lei Seca entrou em vigor com grande estardalhaço, num primeiro momento até baixou o número dos acidentes. Durou o tempo de todo mundo perceber que as chances de ser parado, são mínimas. E aí, o brasileiro, que adora quebrar uma regra, ficou mais que a vontade.

Mas não é só isso. Que ninguém me entenda mal. Sou absolutamente contra beber e dirigir, mas não é essa a realidade das estradas. Não é esse o perigo. Acidentes com bêbados estão muito mais restritos aos limites das cidades. É o cara que sai na balada e volta ruim pra casa.

Eu ando 80km por dia em auto-estrada. Não tem um santo dia que algum idiota como esse (as vezes de Porsche, as vezes de Fusca, de Gol) não passe por mim, costurando as três pistas como se fosse tirar a mãe da zona.

Não tem um dia que um (ou vários) caminhoneiros não façam manobras arriscadíssimas, trafegando por todas as pistas, parando onde não devem, forçando passagem.

São esses que provocam os acidentes. Especialmente os mais graves. A combinação é simples. Excesso de confiança, falta de educação e certeza de impunidade.

O número de mortes é absurdo. Na reportagem, se lê: 127, só em rodovias federais, só no carnaval. Mais da metade do acidente da TAM que parou o país. Se algum dia (porque até agora, só publicidade) o governo quiser REALMENTE diminuir esses números, vai ter que perceber que o buraco é beeeem mais embaixo.

Primeiro: exemplaridade, e publicidade de operações. Por exemplo. Este video está na internet. Uma PORRADA de gente já viu. Será que é tão dificil pegar esse moleque? Será que temos tantos Porsches assim rodando por São Paulo?

Segundo: a polícia devia poder ( e aí tem que mudar a lei) andar em carros sem identificação. Para que os motoristas soubessem que a qualquer momento alguém poderia levantar uma sirene e pedir explicações.

Terceiro: lei mais rígida. Bem mais rígida. Algumas pessoas não podem dirigir, são psicopatas ao volante. Tem problemas psicológicos, de afirmação e querem atenção. Uma vez pêgos nessas condições, dirigindo muuuuito acima da velocidade permitida, ou fazendo manobras arriscadas a troco de nada, deveriam sim, perder a carta instantâneamente, sem direito de tirar outra.

Quarto: caminhoneiros. Neste país, pessoas completamente despreparadas dirigem veículos que são simplesmente ARMAS. A carteira de um caminhoneiro (como é a de um médico) deveria ser especial. A punição por ser inconsequente deve ser maior, muito maior. Afinal, eles são PROFISSIONAIS que deveriam, mais do que qualquer outro, saber o que estão fazendo.

Quinto, e mais importante: olhar pra dentro do DETRAN. Devem haver milhares de motoristas que não tem a menor condição de estar nas estradas, mas compraram as carteiras, ou alguem dentro do DETRAN pra tirar os pontos de multa que já tinham. Quem não conhece alguém que comprou uma carteira? A mim foi oferecida na cara dura, a caminho da prova de habilitação.

Enquanto medidas como estas, e outras ainda mais drásticas não forem tomadas, vamos continuar comemorando porque ano passado perdemos 128 e esse ano APENAS 127.

Quem me conhece, sabe que tenho motivo pra falar.

Graças ao Roger, descobri um site cheio de posters e publicidades do passado.
Tem uma seção só com anúncios de cigarro, que, por mais que eu saiba o mal que fizeram, são os mais divertidos. No meio de "Camel, os mais fumados por médicos", encontrei essa pérola do duplo sentido que faz o Tiririca parecer o Juninho Bill.
Se vc fala inglês, a piada tá pronta. Se não, a tradução seria algo como "Sopre na cara dela, e ela vai segui-lo por todos os cantos." Mas tem uma conotação safada que fica perdida por ali. Enfim, use sua mente em modo Putaria nível 3 e você VAI pegar a mensagem.

"Mando tudo na sua cara, benzinho..."

Galera, vejam só.

essa foto saiu na Época São Paulo da Semana passada.
A matéria, senão me engano, falava sobre personagens do carnaval de São Paulo. A Gabriela me chamou, e confesso que a principio não vi nada de errado.
Mas dá uma olhadinha (clique pra ampliar) na região do agrião do pobre velhinho.

Coitado. Porque não usaram um carimbinho do Photoshop, resolvia essa questão em minutos, e o saco do véio não ficava exposto pro Brasil inteiro ver. Se o caso fosse a celulite da mulher melancia eles com certeza dariam um jeito.

Capitulo 2 -
1991 - Under the Bridge
11ª faixa do álbum Blood Sugar Sex Magik

Em 1989 eu estava chegando em São Paulo. Vinha de uma cidade pequena e esquisita chamada Barra Mansa (RJ), de onde, depois de 12 anos, só consegui guardar meia dúzia de amigos e muitas frustrações. Era uma cidade meio pequena, meio careta, meio atrasada, meio feia, meio triste.

Eu queria ir embora.

Depois da morte do meu pai, por motivos que hoje em dia eu mesmo não entendo, minha mãe resolveu deixar Barra Mansa e vir para São Paulo, com 3 filhos a tiracolo. Esse já era meu plano, vir fazer faculdade em um grande centro. Só não imaginava que seria nessas condições.
A familia veio antes, e eu, como tinha que terminar os estudos, vim mais tarde, de ônibus. Mudei para São Paulo sem nunca ter colocado os pés nela antes. Só conhecia a cidade por reportagens do Globo Repórter. Da janela do ônibus, contemplei o monstro, a cidade que não acabava nunca. Era noite.

Os inícios de mudança, como namoros, são sempre doces. Nos mudamos para um prédio próximo à Brigadeiro Luis Antonio, e, num sentido dava pra ir andando até a Avenida Paulista, no outro até o centro. E era o que eu fazia. A pé, eu ia até o centro, o Viaduto Maria Antonia, a Praça da Sé. Visitava sebos, entrava naqueles cinemas enormes que não existem mais. Do lado oposto, tinha a Paulista. E lá ia eu até a Consolação, parando em tudo que tinha no caminho. No Conjunto Nacional, no Belas Artes, no Masp, e claro, no Mac Donalds! Era tanta informação, tanta oportunidade. Me sentia no centro do mundo.

Perambulando por ali, comecei a descer para os Jardins. E na rua Joaquim Eugênio de Lima encontrei uma locadora de vídeo (sim, isso existia) com uma placa na porta: "precisa-se de atendente".
Eu nunca tinha sido atendente de nada na minha vida, mas em se tratando de filme, não podia dar errado. Fiz uma entrevista rápida, e de primeira estava contratado.
Me dei muito bem. Os milionários dos Jardins gostavam das minhas indicações. Os Titãs disseram que riquesas são diferenças, mas para mim, tudo mudou muito pouco desde aquela época. Os senhores estressados, as madames de cachorrinho na mão, as que iam com o Personal a Tiracolo, as crianças vestidas de adultos, alguns adultos vestidos de adolescentes.
Não demorou muito, fiz amizade com alguns clientes. E é aí que a música do Red Hot começa a fazer sentido.




Esses novos amigos e amigas tinham a minha idade. E as semelhanças terminavam por aí. Tinham muita grana. Eu entrava em apartamentos cuja sala era maior que minha casa inteira. Confesso, me deixou meio deslumbrado. E durou um tempo.

Aquele povo frequentava baladas que estavam fora do meu alcance. Rose Bom-Bom, Chez Michou, HippoDromo, o Gallery, o Banana Banana, entre outros. Mas eu queria estar junto. Me chamavam, e lá ia eu. Quando chegava nos lugares, percebia que ia passar a noite sem comer nem beber nada, mal tinha a grana da entrada. Descobri que, para os padrões deles, eu me vestia mal, não tinha carro, e não cortava meu cabelo no mesmo lugar.

Eles não eram ruins. Só não conheciam outra maneira de se portar. Alguns hábitos de gente com grana podem ser beeem irritantes. O pior deles é o desconhecimento do valor do dinheiro. Gastavam uma baba em chocolatinho Godiva, porque é igual ao que comeram na Suíça, mas encanam com 5 reais que de diferença que deu na conta da pizzaria.

O que mais me lembro, é da sensação de não pertencer àquele lugar. De estar no meio de um monte de gente, e se sentir só. Acho que mais só do que nunca. Meu refúgio era a cidade.

Eu fugia pras livrarias, pros cinemas, pro teatro. Eu andava, andava e andava. Com uma rota de ônibus na mão, não tinha lugar onde eu não conseguia ir. Quando lembro dessa época, ainda que a música não seja contemporânea, os versos se encaixam perfeitamente:

"Sometimes I feel
Like I dont have a partner
Sometimes I feel
Like my only friend
Is the city I live in
The city of angel
Lonely as I am
Together we cry"

Aquela mesma locadora abriu uma filial, lá perto do shopping Morumbi. Eu fui pra lá como gerente. Lá eu desencanei. Lá eu descobri outra São Paulo. Mas isso é caso pra outra música.

É só o tempo que te deixa perceber que, se o mundo é redondo, qualquer lugar é o centro dele. O que interessa é estar firme, com os pés no chão.

A indústria de entrenimento insiste em enxergar a questão dos downloads de maneira maniqueísta e simplista.
Se os canais a cabo tivessem metade da agilidade que os "lengendeiros" têm, muita gente não faria download.
Se sites como o iTunes funcionassem efetivamente no Brasil, vendendo música a preços realmente convidativos, outro tanto não faria download.
Se a indústria, que é tão poderosa, pressionasse as operadoras de Banda Larga (como a Telefonica) a atenderem seus clientes de maneira mais aceitável, possibilitando que conteúdo possa ser acessado legalmente (gerando lucro portanto), ao invés de se dedicar a carçar cada moleque que compartilha arquivos, ganharia terreno (e grana). Isso permitiria que serviços como o Hulu, e locadoras on-line como a BlockBuster gringa, e aparelhos como o Apple Tv pudessem ser usados no Brasil.
Fazer o download de uma série não é como comprar um filme no camelô. No fim das contas, eu pago TV a Cabo, que exibe reprises e reprises e reprises, e ainda me entope de propaganda do pior tipo O negócio mudou, mas a indústria vai morrer afogada segurando-se a um osso pesado, que só vai levá-la mais pro fundo.

E surgir um novo canal de legendas, ou uma alternativa de download é questão de minutos.

Capítulo 1 - Find the River - R.E.M

Não sei se todo mundo tem uma relação com música igual a minha. Mas certas memórias minhas só voltam à mente acompanhadas de uma trilha. É natural, e é inevitável. Ao ouvir essas canções, eu quase consigo sentir o cheiro da época.
E não é algo que possa ser emulado. Não dá pra dizer: vou ouvir pra caramba isso aqui, assim vai marcar essa época. Simplesmente acontece. E só depois de muito tempo vc vai perceber o que aquela música representa.
Essa série de posts que eu inicio agora talvez seja a mais pessoal que eu já escrevi. Vou fazer um esforço para ouvir, e registrar o que lembro quando ouço determinadas músicas. Para mim, vai ser uma viagem. Espero que não seja chato pra quem lê.



1992 - Find The River
12ª faixa do álbum Automatic for the People
R.E.M.

Em se tratando de nostalgia, nenhuma banda me toca mais que o R.E.M.
O disco imediatamente anterior a esse tinha estourado de tanto tocar (não há quem não se lembre de Losing My Religion). Acho que eles emplacaram todas as faixas de Out of Time, que tinha melodias que grudavam instantaneamente, como Shiny Happy People e Radio Song. Quem, como eu, já conhecia a banda, sabia que ela podia ser bem mais pesada.
Quando Automatic saiu, foi um certo choque. Era o contrário do que eu esperava. Um disco inteiro melódico, com arranjos perfeitos, um tom levemente deprê. Na minha opinião, um dos melhores CDs que eu já ouvi.
Mas não foi em 1992 que este CD fez parte da minha vida. Na época ainda era possível assistir MTV, e era o que eu fazia. Constantemente. Na verdade, não via outra emissora. Ainda haviam VJs interessantes, era a época do Thunder, da Cuca (aliás, que Cuca!), Rodrigo, Gastão, enfim, um pessoal não era só metido a engraçadinho. Além disso, (olha só) tinha música na MTV, não um amontoado de reality show e programinha pra pivetada arrumar namoro.
Duas músicas desse CD caíram no gosto popular, de cara: Everybody Hurts e Nightswimming. Tinha motivo, as músicas eram sensacionais. Mas as melhores estavam escondidas.
Em 1993 eu entrei na faculdade.
Formei uma renca de amigos e amigas, que eram infinitamente mais interessantes que as aulas.
Curiosamente, não foi a putaria que marcou meu período de faculdade. Eu já namorava a Gabriela, que é a Sra. Rodrigo Teixeira hoje em dia. Foram as amizades mesmo. Foi a descoberta que existiam outros malucos iguais a mim. Um monte de sujeito esquisito, magrelo e narigudo que gostava de cachaça, música e cinema tanto (ou mais) que eu.
Em meados de 93, 94, a turma estava muito unida. Eramos uns 10, 12 no máximo, mas sempre tinha o que fazer. Começamos a marcar viagens em feriados.

Foram umas 4, 5 viagens.

Find the River me lembra essas viagens.
Me lembra voltar dos botecos das cidades no meio da madrugada.
Cair na piscina de roupa, correr no meio do canavial na escuridão total, ficar falando merda na varanda até quase amanhecer. Beber até não parar de pé. Não poder dizer uma frase sequer sem que alguém levasse pro duplo sentido. RIR ATÉ DOER.
O tipo de amizade que nunca mais vou ter. Amigos que estavam ali pra qualquer parada. A falta de responsabilidade, não precisar pensar no amanhã, foda-se se a gente ia pro trabalho com uma ressaca monstruosa.
Hoje, com todos cuidando das vidas, filhos, empregos, esposas, contas, é impossível até mesmo tentar repetir esses dias. Mudou quase tudo. Não há pisada na bola impune. Alguns deixaram de ser amigos. Outros, e justamente àqueles que a gente menos esperava, reaparecem sem aviso.
Alguns nunca foram embora, e hoje são irmãos, do coração. E é bom ter a trilha sonora à mão para ouvir, lembrar dos bons tempos, e rir de tudo novamente, ainda que (como algumas bebidas que a gente consumia tanto na época) a doçura do riso termine com um gostinho um pouco amargo da nostalgia.


Outras trilhas que me lembram do mesmo (mas não com tanta força):
I alone - Live
Blister on the Sun - Violent Femmes
Have you ever seen the rain - Creedence Clearwater Revival