Capitulo 2 -
1991 - Under the Bridge
11ª faixa do álbum Blood Sugar Sex Magik

Em 1989 eu estava chegando em São Paulo. Vinha de uma cidade pequena e esquisita chamada Barra Mansa (RJ), de onde, depois de 12 anos, só consegui guardar meia dúzia de amigos e muitas frustrações. Era uma cidade meio pequena, meio careta, meio atrasada, meio feia, meio triste.

Eu queria ir embora.

Depois da morte do meu pai, por motivos que hoje em dia eu mesmo não entendo, minha mãe resolveu deixar Barra Mansa e vir para São Paulo, com 3 filhos a tiracolo. Esse já era meu plano, vir fazer faculdade em um grande centro. Só não imaginava que seria nessas condições.
A familia veio antes, e eu, como tinha que terminar os estudos, vim mais tarde, de ônibus. Mudei para São Paulo sem nunca ter colocado os pés nela antes. Só conhecia a cidade por reportagens do Globo Repórter. Da janela do ônibus, contemplei o monstro, a cidade que não acabava nunca. Era noite.

Os inícios de mudança, como namoros, são sempre doces. Nos mudamos para um prédio próximo à Brigadeiro Luis Antonio, e, num sentido dava pra ir andando até a Avenida Paulista, no outro até o centro. E era o que eu fazia. A pé, eu ia até o centro, o Viaduto Maria Antonia, a Praça da Sé. Visitava sebos, entrava naqueles cinemas enormes que não existem mais. Do lado oposto, tinha a Paulista. E lá ia eu até a Consolação, parando em tudo que tinha no caminho. No Conjunto Nacional, no Belas Artes, no Masp, e claro, no Mac Donalds! Era tanta informação, tanta oportunidade. Me sentia no centro do mundo.

Perambulando por ali, comecei a descer para os Jardins. E na rua Joaquim Eugênio de Lima encontrei uma locadora de vídeo (sim, isso existia) com uma placa na porta: "precisa-se de atendente".
Eu nunca tinha sido atendente de nada na minha vida, mas em se tratando de filme, não podia dar errado. Fiz uma entrevista rápida, e de primeira estava contratado.
Me dei muito bem. Os milionários dos Jardins gostavam das minhas indicações. Os Titãs disseram que riquesas são diferenças, mas para mim, tudo mudou muito pouco desde aquela época. Os senhores estressados, as madames de cachorrinho na mão, as que iam com o Personal a Tiracolo, as crianças vestidas de adultos, alguns adultos vestidos de adolescentes.
Não demorou muito, fiz amizade com alguns clientes. E é aí que a música do Red Hot começa a fazer sentido.




Esses novos amigos e amigas tinham a minha idade. E as semelhanças terminavam por aí. Tinham muita grana. Eu entrava em apartamentos cuja sala era maior que minha casa inteira. Confesso, me deixou meio deslumbrado. E durou um tempo.

Aquele povo frequentava baladas que estavam fora do meu alcance. Rose Bom-Bom, Chez Michou, HippoDromo, o Gallery, o Banana Banana, entre outros. Mas eu queria estar junto. Me chamavam, e lá ia eu. Quando chegava nos lugares, percebia que ia passar a noite sem comer nem beber nada, mal tinha a grana da entrada. Descobri que, para os padrões deles, eu me vestia mal, não tinha carro, e não cortava meu cabelo no mesmo lugar.

Eles não eram ruins. Só não conheciam outra maneira de se portar. Alguns hábitos de gente com grana podem ser beeem irritantes. O pior deles é o desconhecimento do valor do dinheiro. Gastavam uma baba em chocolatinho Godiva, porque é igual ao que comeram na Suíça, mas encanam com 5 reais que de diferença que deu na conta da pizzaria.

O que mais me lembro, é da sensação de não pertencer àquele lugar. De estar no meio de um monte de gente, e se sentir só. Acho que mais só do que nunca. Meu refúgio era a cidade.

Eu fugia pras livrarias, pros cinemas, pro teatro. Eu andava, andava e andava. Com uma rota de ônibus na mão, não tinha lugar onde eu não conseguia ir. Quando lembro dessa época, ainda que a música não seja contemporânea, os versos se encaixam perfeitamente:

"Sometimes I feel
Like I dont have a partner
Sometimes I feel
Like my only friend
Is the city I live in
The city of angel
Lonely as I am
Together we cry"

Aquela mesma locadora abriu uma filial, lá perto do shopping Morumbi. Eu fui pra lá como gerente. Lá eu desencanei. Lá eu descobri outra São Paulo. Mas isso é caso pra outra música.

É só o tempo que te deixa perceber que, se o mundo é redondo, qualquer lugar é o centro dele. O que interessa é estar firme, com os pés no chão.

9 comments:

Anonymous said...

Muito legal o seu blog, Rodrigo! E estou amando a série "Trilha sonora da minha vida". Espero que novos posts não demorem! Abraços, Ana Luísa

Obrigado Ana Luísa,

até hj tinha ficado meio reticente a escrever coisas tão confessionais, mas sabe que está valendo por uma terapia? Pode deixar, os próximos posts não demoram.

abraços

Rodrigo

Anonymous said...

Está pensando em se matar?
xuruetismo

Oreia,

ficou deprê esse? Hahahah.
É que vc só me conheceu na época em que eu já estava absolutamente desencanado.
Aí que sair pra beber com um milionário de família nobre Catanduvense como vc já não me deixava bolado.

abraço

Anonymous said...

Oi amor, fiquei meio triste em ler essa parte da sua vida, da qual não fiz parte. Por tudo que sei sobre você, fico imaginando as suas perambulações. Talvez se a gente tivesse se conhecido antes....como seria? Mas, puxando a sardinha pro meu lado, é lógico que tudo ficou mais lindo e colorido depois que me conheceu né? Me lembro que depois a gente passou a perambular juntos pela Paulista no frio agarradinhos, em se despedir na porta do metrô, em ir a vários desses cinemas juntos, enfim, te amo

Gabi, depois disso, ainda rolaram uns 4 anos até que nos conhecessemos.
E sim, mudou tudo. TUDO.
Me lembro dos mesmos passeios que fizemos. Mas eu não vou falar tudo aqui na resposta, porque a sua trilha sonora já está separada.
Eu te amo.

Caracas... quem diria, o Tex tá virando EMO...

Amei seu blog!
suas histórias são ótimas!
Ah!!!
rs... moro em Barra Mansa, a cidade dormitório!

Karina, obrigado, espero que volte para ler outras.
A propósito, como anda Barra Mansa? Sou um desnaturado, quase nunca volto.