Capitulo 4

Omaha - 1993
Segunda faixa do álbum August and Everything After
Counting Crows


Faz tanto tempo... E parece que foi ontem.
Em 1994 passei a morar sozinho. Eu tinha 22 anos. Consegui alugar um apartamento em plena Praça Vilaboim, a metros da FAAP, onde estudava. Era mais ou menos um sonho se realizando.

Era um quarto e sala de bom tamanho, praticamente sem vista. Os armários da cozinha precisavam ser escorados, senão caíam. Minha grana era tão curta, que não consegui comprar a tinta necessária para cobrir as paredes sujas. Resolvi fazer um "efeito" com uma esponja, a sala com um tom marrom, e o quarto, seguindo o padrão azul. O resultador ficou.... sui generis. Acho que se eu vivesse olhando aquelas paredes hoje em dia, já teria desenvolvido algum tipo de epilepsia. Mas funcionava. Escondia a sujeira.

Eu chegava do trabalho pelo metrô Marechal Deodoro, subia uma interminável ladeira chamada Albuquerque Lins, e dava para esperar em casa vendo TV antes de ir a pé pra faculdade. Quando (como o Vinícius bem lembrou no post anterior) eu resolvia estudar no boteco, eu atravessava cambaleando a praça, direto para a cama, às vezes com a roupa do corpo. Era sensacional.

Nos fins de semana, estranhamente, a rotina era mais branda. Gabriela vinha me visitar, e tínhamos nossa rotina de casalzinho jovem, subitamente libertados da necessidade de fuga que tínhamos quando namorávamos nas casas de nossos pais. Ali era minha casa, meu castelo.

Não faltava nada, mas o apê não se parecia com nada, também. Cada um dos (poucos) móveis que eu tinha, veio dos restos da mobília velha das casas de parentes. E cada um de uma época. Compramos uma manta para cobrir o sofá, que segundo minhas memórias ficou muito bonito. A função verdadeira era para cobrir o grande rasgo no assento.

De novo mesmo, eu tinha a geladeira e o microondas (que me seguem até hoje!).

Mas como era bom.

Eu e a Gabi fazíamos compras nos fins de semana. Voltávamos do mercado cada um com dez sacolas nas mãos, quase todas rompendo com o peso, e andávamos bem uns 6 quarteirões, parando de quando em quando para fazer voltar a circulação nas mãos.

A falta de carro nos deixou vários finais de semana no apartamento.Não ligávamos. Tinha uma locadora bem na esquina, enchíamos a casa de filme, e assistíamos juntos, deitados, divindindo impossívelmente um sofá de 2 lugares, numa televisão velha que ficou completamente verde na mudança.

No domingo, andávamos de bicicleta no bairro de Higienópolis. Voltávamos cansados, bebíamos cerveja e enchíamos a cara de Tequila com limão, escutávamos Counting Crows (um dos poucos CD's que tinhamos) depois dormíamos juntos, o resto da tarde. Ás vezes, andávamos até a Avenida Paulista, pegávamos um cinema e voltávamos. Ela era minha, eu era dela.

Não havia guarda-roupa. Com o tempo comprei uma penteadeira, onde colocava tudo, mesmo aquilo que precisava de cabide. Minhas revistas, numa dessas estantes de aço. Cabia tudo.

Um fenômeno estranho começou a acontecer. Cada vez mais roupas da Gabi apareciam em minha casa. No começo era um pijama, depois uma roupa extra pra sair se fosse o caso. E quando eu dei por mim, o figurino dela todo estava lá. Precisei tomar uma atitude enérgica. Compramos uma fruteira. E nela colocamos a roupa da Gabriela. Cabia tudo.

Alguns meses depois, o inevitável aconteceu. Gabriela se formou, foi para lá um dia. E nunca mais saiu. Nem da casa, nem da minha vida. O apartamento, tão sem jeito, tão tímido, ganhou flores, ganhou quadros. Um tapete que dizia bem-vindo. Copos para visitas. Cabia tudo.

Ali eu aprendi a ser sozinho. E logo depois, a ser dois. Ali eu aprendi a cuidar de alguém, e conheci o amor que não vem da família. Ali eu aprendi aos poucos, o que é ser casado, e por isso não me espanta tantos casais se separem depois de tão pouco tempo. É porque casaram de repente. Eu casei aos poucos.

Dali mudamos muito, e pra lugares sempre melhores. Mas quando me lembro do velho edifício Caribe, eu só lembro dela, e de mim, e dela e nós dois o dia inteiro, a noite inteira, o tempo todo.

A vida tem sido assim, até hoje. Já cantamos músicas mais tristes, mais amargas, e outras muito mais alegres. A banda cresceu, e hoje é menos etílica, mas com certeza, mais feliz ainda, com uma voz nova. Eu, ela e ele.

E continua cabendo tudo.

3 comments:

Caraio!
quando comecei a ler eu achei que era uma daquelas intermináveis histórias de vida desgraçada e lazarenta dos programas de domingo da televisão. depois muda tudo e fica masterfoda.
Caraio!

Gabriela said...

Estou chorando até agora, soluçando de lembrar como nossa vida foi e é boa...passamos muitas coisas juntos, construimos uma família e cada dia que passa nos amamos mais....o nosso filho é o resultado desse amor, ele é lindo, inteligente, meigo, o melhor filho do mundo...e a única coisa que posso dizer disso tudo é que eu te amo, e sim, essa música fez parte da nossa vida....TE AMO!!!

nuóóóssssssaaaaaaa.....
que mela cueca !!!
cuaucauuauuacuuacuac