- (chegando) Opa, perdi alguma coisa?

- Também não vamos exagerar, ele não era assim, tanta coisa...
- Quando alguém soltar a frase: "Pelo meno ele está em paz, né", responder: "Não, na verdade tá morto mesmo."
- Pelo menos a Senhora fica com a casa agora, né dona Sandra?
- Achei uma falta de consideração a amante dele não ter aparecido".
- Nessas horas queria ser americano. Lá os velórios tem salgadinho.
- Minhas condolências. Na segunda eu ligo pra senhora pra gente acertar aquela grana que ele me devia, beleza?
- Sempre te achei uma gata, mas só agora criei coragem de dizer...
- Você assiste "Six Feet Under"?
- Você assistiu "Ghost"?
- Você assistiu o último da Rita Cadillac?
- Pior mesmo foi o Michael Jackson e o Patrick Swayze, né rapaz?
- Quer comprar uma rifa?
- Quem diria... ontem mesmo ele estava aí vivo... Tava bem caquético, mas vivo.

Existe hora e lugar pra tudo. Essas frases abaixo estão fora dos dois.

- Pernil de novo, Dona Sônia?
- Eu não sento na mesa do lado desse vagabundo.
- Você acha que as crianças vão acreditar nessa barriga de travesseiro e nessa barba falsa, Robertinhô??
- ..e meu amigo secreto é um puta pé-no-saco...
- CIDRA?? Quem comprou CIDRA??
- Olha só, CUECA tá sempre em promoção, né Dona Sandra?
- Ó, Natal é época de perdão, mas aquela grana que eu te emprestei fica fora, OK?
- ...soca na cara! Igual eu ensinei! Seu pai tá no carro.
- Que tal todos assistirmos SEXTA FEIRA 13?
- Eu continuo na mesma empresa, mas não lembro o nome da senhora nem por um cacete.
- Ah! A Senhora que é mãe daquele boiolinha?
- Feliz Natal, gente, mas ano que vem vou preferir passar sozinho mesmo, viu?

Em épocas como as que estamos vivendo, eu agradeço por meu filho ser ainda pequeno o bastante pra que eu possa protegê-lo de determinadas coisas que andam acontecendo. Se ele tivesse uns 5 anos a mais, eu seria obrigado a responder perguntas às quais eu não faço idéia da resposta.

É bem dificil tentar explicar o que é essa calhordice que tomou conta de nós. O que nos espanta? O que é grave? O que causa indignação?
O que é preciso acontecer para que as pessoas acordem?

Sendo bem prático. Vamos pegar última crise no senado como exemplo. Todo mundo tem certeza que o bigodudo mentiu, achacou, ameaçou, cercou-se de todos os piores elementos pra defendê-lo, e o que fez o Presidente da Republica? Juntou-se a eles. E o que aconteceu?

Rigorosamente nada.

Se meu filho me perguntasse:"Pai, roubar é errado?", o que eu deveria responder?

A candidata a presidir o país no próximo mandato, mente deslavadamente, é mal educada, tem uma ficha pra lá de estranha. E é a única escolha do partido.

"Pai, mentir é errado?"

O Governo e vários juízes do STF estão fazendo das tripas coração pra livrar da cadeia um assassino confesso. Dobram e desdobram a lei para tentar fazer um origami que nos faça sentir que o cara é um matador bacana, um assassino com classe.

"E aí Pai, matar é errado?"

Me digam, o que eu respondo, se ele me perguntar? Que depende? Que alguns podem? Que é melhor não pensar nisso, ficar de lado? Qual a resposta mais adequada, me ajudem?

E como não compreender a confusão pela qual passa um jovem hoje em dia. Vale a pena ser honesto? Melhor gastar dinheiro em livro, ou ficando bem gostosa (ou fortão), o que te abre mais portas hoje em dia?

Por enquanto, ainda consigo preservar a inocência do meu filho. Não se trata de aliená-lo. É um tempo que eu ainda tenho pra ver se os valores que eu passo grudem na mente dele, antes que o mundo venha, e estrague tudo. Uma esperança para quem sabe, quando ele me fizer essas perguntas acima, eu possa dar as respostas que eu sei que estão certas, sem parecer que estou mentindo pra ele.

I don't need no one to tell me about heaven
I look at my daughter, and I believe.
I don't need no proof when it comes to God and truth
I can see the sunset and I perceive
Heaven- Ed Kowalczyk

Se é pra me rotularem, melhor dar o nome mais correto: sou cético. Não ateu.
Ateu não acredita, e ponto. Eu acredito. Mas duvido. Parece inconsistente? Não é.

A dúvida tem uma imagem muito negativa em nossa sociedade. Queremos pessoas que acreditem. Que creiam, cegamente. Que encontrem. Eu podia fingir, mas não sou assim.

É preciso interpretar direito. Minha posição não é o: "Duvido!", ríspido e intolerante, que desafia todos a provarem seus argumentos. Isso é soberba, não dúvida. Na minha visão, a dúvida é uma prova de humildade. É reconhecer que sou pequeno e falho, e não tenho a pretensão de achar que sei quem é Deus. Não entendo. Busco.

Você já encontrou seu Deus? Ótimo. Se sua crença preenche o que falta em sua vida, acho mesmo que vc deve louvá-lo, acalentá-lo, como parte de você. Mas por favor, não tente vender suas crenças para mim. Você se sente bem, porque chegou, porque encontrou. Mas eu valorizo o caminho. Eu estou andando, e não tenho muito interesse na linha de chegada. A viagem tem sido boa. Respeite minha jornada.

Eu andei por algumas religiões. Ouvi gente mais sábia e menos sábia. Acolhi coisas de cada uma delas. Já tive minha fé posta a prova algumas vezes na minha vida. Mas sempre me recusei a ser "mais ou menos católico" ou "quase espírita". Se não for pra abraçar uma religião de corpo e alma, prefiro nem começar. E acho que essa religião completa não existe, então prefiro continuar meu caminho.

Eu vou dar ouvidos a quem quer que seja nessa estrada. Vou levar em conta cada palavra que chegar a mim. Mas por favor, não me teste me convencer que você está num grau mais elevado que eu em seu crescimento espiritual, porque você simplesmente não sabe disso. Ninguém sabe.

Eu não preciso de igreja pra fazer minhas orações. O mundo inteiro é um templo. Não preciso de uma representação visual de um Deus. Não preciso dar um nome a ele. Ele existe, pra mim basta.

Quando meus dias por aqui acabarem, talvez me encontre com Ele, e Ele me pergunte:"Você demorou esse tempo todo pra me encontrar?". E eu vou poder responder, com toda felicidade: 'Ah Senhor, mas como eu procurei..."