Acho que eram quinze pras seis da manhã quando meu irmão chegou. Ainda ia demorar pro sol nascer. Desceu do carro com aquela cara estranha, amassada de sono e esticada de excitação.
A idéia tinha sido dele, afinal de contas. Uma pescaria, ali perto, num pequeno rio que passa ao largo do sítio, chamado convidativamente de Rio do Peixe.
Fomos eu, ele e o Marquinho, que é meu sobrinho, que dizia conhecer um lugar sossegado onde podíamos dar banho nas minhocas.
Minhocas, aliás, que eram nosso primeiro problema. Não tínhamos nenhuma. Mas era o de menos. Perto do rio, a gente cavucava, a extraía algumas do solo.
Varas, anzóis, linhas, chumbadas e repelentes carregados dentro do pequeno Uno, parecia mesmo que alguém ali sabia o que estava fazendo.
Já na saída do sítio, o primeiro incoveniente. Pés de cana de dois metros de altura impediam qualquer visualização além de um metro do seu nariz. E a estrada, (que existiu, tempos atrás, juro) simplesmente não era divisável.
-Acho que ali - falava o moleque, a cada clareira. E de "alis", nós rodamos todo o canavial. O rio ali, ali mesmo,dava pra ouvir, ao alcançe de um cuspe. Mas rodeado das canas assassinas por todos os lados, inalcançável até pra um cabrito.
E roda com o carro pra baixo. E volta com o carro pra cima. O dia amanhecendo.
Achamos um caminho que com certeza, ia sair no lugar tão sonhado. Avançamos até onde foi possível com o carrinho, mas paramos ao descobrir que a estrada era quase um Grand Canyon feito de barro mole. Descemos do carro, isso não seria empecilho para o dinâmico trio. Andamos uns 200 metros, barro adiante. Acho que eu cheguei a dizer algo como: "Aqui é sólido" antes da minha perna afundar até o joelho na lama.
Voltamos tudo outra vez.
Enfim, resolvemos nos contentar com um canto que dava pra ver o rio passando no meio do canavial. Meio que um barranco, só que feito de cana ao invés de solo. Alguém tem um facão? Nem canivete.
Amassamos o matagal pros lados, só pra descobrir que estavamos acampados no fantástico mundo das mutucas. Os pernilongos já nem incomodavam mais. As moscas chegavam a dar medo, algumas maiores que o carro, só que verde metálico.
As minhocas. Precisávamos delas. Estávamos preparados, olha a enxadinha alí. Cavuca, cavuca e cavuca e conseguimos quatro minhocas semi-adormecidas para brincar (uma delas eu derrubei no meio do mato).
Foi só eu lançar a linha e já fisgou. Infelizmente, em nada que tivesse guelras. Era mato mesmo, por toda a extensão daquele pedaço do rio. Era jogar o anzol e enganchar.
Demorou uma meia-hora até percebermos que íamos voltar de mãos vazias. Toca a recarregar o carro com tudo de novo.
Voltamos para casa por volta das nove horas. O povo todo acordando, ávidos para comer peixe.
Saldo da manhã: nenhum peixe, muito mosquito, barro até no sovaco, um lindo nascer de sol e uma improvável revoada de tucanos.
E mais do que isso, aquele sentimento que só nos momentos mais íntimos uma família sente. Principalmente com um irmão.
Fizemos tudo imitando um certo Chico Jorge, que nos levantava da cama, ainda meninos, no mesmo horário, dirigia com sua Brasília creme até algum rio longe da cidade, arrancava minhocas em lugares melhores e tinha um talento consideravelmente maior que o nosso para pescar.
Ainda hoje nos lembramos dele, com seu pequeno sorriso, seu olhar calmo, sua presença inspiradora. Arrancando peixes e plantando memórias que nos fizeram o tipo de adulto que somos.
Um leigo diria que o resultado da nossa incursão no mundo da pescaria foi pífio, senão nulo.
Pra nós, aquilo nem foi uma pescaria: foi uma homenagem.
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