Capitulo 3
1976 - Fazenda
1ª faixa do álbum Geraes - Milton Nascimento
1976 - Fazenda
1ª faixa do álbum Geraes - Milton Nascimento
E lá foi o melhor lugar do mundo.
Nasci em Minas Gerais. Antes de completar dois anos de idade, meus pais mudaram-se para o Rio. Mas eu nunca deixei de ser mineiro. Boa parte da família (que não é pequena) ficou lá. Nas férias, meu pai nos colocava a todos dentro de uma Brasília creme, e nos levava para Ponte Nova, minha cidade natal.
Ponte Nova era apenas o porto de partida para onde realmente me interessava. Distante uns 45 minutos da cidade, havia um lugar chamado Vila Rosa, que era uma vila de funcionários de uma usina de cana-de-açúcar (que até hoje existe) chamada Jatiboca. Lá moravam dois tios meus. Tio Bertoldo, Tia Heloísa, e onze primos e primas. Oito de um, três de outro.
Para mim, aquele lugar sempre foi simplesmente, Jatiboca.
A princípio passávamos alguns dias em Jatiboca, eu e meus irmãos. Mas a medida que eu cresci um pouco, adquiri o direito de ficar as férias inteiras lá. Fui o único dos três que teve essa sorte.
Não sei exatamente como descrever o quanto aquelas férias eram boas. Talvez seja melhor você ouvir à música do Milton, que parece tê-la escrito, do começo ao fim, para mim. Se eu pudesse voltar no tempo, e se me dessem a chance de trocar aquelas férias no meio do nada, por viagens para os Alpes, para a Disneylândia, para qualquer resort do mundo, eu recusaria sem a menor cerimônia.
Aquilo era muito mais do que férias. Era minha celebração à liberdade. Lembro-me de hordas de garotos, vagando entre os canaviais, entrando em florestas, nadando em pequenos rios, comendo qualquer fruta que aparecesse em uma árvore, fazendo guerras de lama, soltando pipas, no meio de cachorros, bicicletas e tios. Depois voltar para casa, sujos até a testa, mortos e felizes de cansaço, prontos para ouvir o papo dos adultos.
Lembro das conversas na varanda, das histórias de assombração que me deixavam acordado a noite toda, enxergando um fantasma em cada canto da casa. Lembro da saudade que eu sentia dos meus pais, que aquela altura já tinham voltado pro estado do Rio. Minha mãe, toda preocupada, sempre perguntava: "Quer voltar, filho?". Era a hora que o choro parava: "Não, aí também não, eu aguento."
Se eu fechar os olhos agora, consigo sentir perfeitamente, o cheiro que o vinhoto de cana deixava no ar da vila toda. Um cheiro que todo mundo acha horrível, mas de tanta memória boa que me traz, não consigo não gostar.
Jatiboca não era só minha. Os pais de outros primos os levavam para lá da mesma maneira que os meus faziam. De modo que lá era uma verdadeira convenção de Teixeiras. Vínhamos de todas as partes do Brasil, de Porto Velho a Porto Alegre. O resultado era uma sensação de pertencer àquele lugar, um calor de ser recebido que duvido que muitas pessoas tenham experimentado em suas vidas.
Foi a melhor parte da minha infância. Agradeço todos os dias àqueles tios, tias, primos e primas por terem feito parte de alguma maneira. E a meus pais, que me largaram lá (com o coração apertado, tenho certeza), e voltaram para casa, ficando longe todos aqueles dias. Hoje eu olho pro meu filho, e não sei como vocês conseguiram.
Pode procurar no Google Earth. Jatiboca está lá. Só tem uma. As fotos que estão lá (e eu só as descobri hoje) são de um certo Marco Teixeira. É meu primo.
Só mesmo sendo um Teixeira pra colocar Jatiboca no mapa.
Valeu, Marco.